Entrevista com RB Ex-Presidente do Leão - Time de futebol é um poço sem fundo de problemas

Às voltas com a construção do Centro de Treinamento do Fortaleza, o presidente do título de 2005, mas que perdeu o tetra em 2006, fala de alegrias e mágoas



Quando o senhor espera concluir as obras do Centro de Treinamento do Fortaleza?

Eu espero finalizar as obras no final deste ano, se tudo der certo. Nessa hipótese, ele estaria pronto para uso pelo Fortaleza no ano de 2011. Tiraremos todos os atletas de base do Pici, levando-os para treinarem com mais espaço no CT.

A torcida tem contribuído para a concretização do CT?

A torcida tem sido fundamental. Há uma parte do dinheiro que é empregado mensalmente que vem de contribuições através da Coelce. O restante eu completo. São 3.400 torcedores que colaboram mensalmente, dando algo em torno de 8 mil e quinhentos reais líquidos para serem usados lá.

Até que ponto o CT será importante para a redenção do clube?

Eu pretendo possibilitar ao Fortaleza, através da fabricação de jogadores, um meio para o clube subsistir. Tanto poderemos usar os atletas no próprio time como poderemos comercializá-los. Você sabe que hoje, tanto no Brasil como no mundo, os clubes equilibram as finanças negociando algum jogador de sua base.

Quando estiver pronto, qual será o custo do CT para o clube?

Quando estiver funcionando do jeito que eu espero, o custo mensal será de R$ 100 mil. A nossa iniciativa, através do IFEC (Instituto Fortaleza Esporte Clube) é importante porque os clubes do Nordeste como um todo não podem tirar dinheiro de suas folhas de pagamento para investir em patrimônio.

Entrando agora no time profissional, a seu ver, quais foram as razões principais para o Fortaleza ser rebaixado para a Série C?

O ex-presidente Lúcio Bomfim já pegou o time em decadência no ano de 2008. Ele investiu e conseguiu livrar a agremiação do rebaixamento naquele ano. Ao assumir, por eleição, o Fortaleza em 2009, ele tentou fazer o time dentro da realidade, ou seja, despesa igual à receita. Importou o modelo gaúcho e mesclou com alguns jogadores da base. Nada disso funcionou, apesar dele ter feito uma administração séria. Mas, competência não se faz sem dinheiro.

Como o senhor deixou o Fortaleza, financeiramente falando?

Totalmente saneado. Quando peguei o clube, tive que pagar de imediato, um bicho (gratificação) de 400 mil, que estava atrasado, da época do acesso à Primeira Divisão. Tinha jogador andando pelos cantos , esperando isso. Era uma confusão. Logo depois, em pouco tempo, tive que fazer um empréstimo com alguns amigos e pagar 1 milhão e meio de pendências.

O senhor conseguiu negociar que jogadores entre 2004, 2005 e 2006, na sua gestão?

Vendi o lateral-direito Amaral por 1 milhão de reais para um grupo de empresários. Ele assinou contrato de cinco anos com o Palmeiras, com o salário de 40 mil reais. Foi prejuízo para eles, pois hoje ele não tem clube. Negociei o Ronaldo Angelim para o Flamengo. O Fortaleza recebeu 480 mil pela transação. Por último, mandamos o atacante Ari para a Suécia por 250 mil dólares (cerca de R$ 500 mil).

É verdade que o senhor ficou tão magoado com o futebol que nem anda em estádios?

Não é bem assim. Naquele jogo inesquecível, quando o Fortaleza ganhou o primeiro turno contra o Guarany de Sobral, após estar perdendo por 4 a 1 eu estava lá, embora sem alarde. Mas, algumas mágoas ficaram da época de minha gestão.

Quais foram elas?

Foram, na verdade, alguns arranhões de parcerias que fiz. Após a perda do tetracampeonato, em 2006, muitas pessoas me agrediram com palavras agressivas e de nível baixo. Isso porque o contexto do futebol é de nível baixo. O conceito das pessoas que se envolvem com futebol não é bom. E é porque você se sacrifica, larga tudo pela paixão pelo clube que dirige.

Como foi que seu time perdeu o campeonato de 2006 para o Ceará, com um elenco qualificado como o senhor havia montado?

Aquela perda foi uma frustração minha. Eu tinha a convicção de que aquele título era nosso. O tetracampeonato estava próximo. Não é querendo ser fanfarrão nem imodesto. Nós vínhamos de duas goleadas históricas sobre Ceará e Ferroviário, mas em duas partidas para o nosso maior rival, perdemos. No primeiro jogo, a gente bem melhor e o goleiro Maizena falhou numa bola de escanteio, que foi fatal. Depois, o Mazinho Lima se contundiu com 5 minutos de jogo. No segundo, já estava tudo pronto, quando às 7 horas da noite de sexta-feira, o Maurílio veio falar de uma suspensão dele por doping, quando ainda estava no Remo. Ele não jogou e nós perdemos. Foram essas situações, que acabaram atrapalhando a nossa equipe, chamada de Seleção.

O senhor foi chamado pelo presidente Renan Vieira para assumir o clube no momento?

Fui, mas não aceitei, até ter concluído tudo no CT. E não quero mais ser presidente, porque tem muita exposição de sua pessoa. Quando se é presidente, todo mundo te esculhamba, sem nem lhe conhecer. Qualquer semianalfabeto com um microfone na mão lhe ataca. Não que todos sejam, mas é a regra.

O senhor havia dito que se o Fortaleza caísse para a Série B , mudaria de cidade. E não mudou.

Eu disse, quando caíam só dois clubes e o Campeonato Brasileiro tinha 22 times. No ano seguinte, diminuíram o número de participantes para 20 clubes e descendo quatro. Dessa forma, foi difícil a manutenção na Série A e realmente caímos.

Com sua experiência em Série A do Campeonato Brasileiro, como vê a participação do Ceará na Primeira Divisão deste ano?

Vejo com bastante ceticismo. O Ceará deve arrecadar 1% do total que a televisão vai pagar. No ano passado, eu sei que foram 480 milhões a cota, que é entregue ao Clube dos Treze. O Ceará deve receber 5 milhões. Acontece, que na Série A, a estrutura é outra. O jogador, por estar na Série A, exige isso e aquilo, que na Série B não existia. Aí você compara. O Corinthians deve receber uns 40 milhões, o Flamengo outros 40, o Fluminense talvez uns 25 ou 30 milhões, tudo isso afora patrocínios. Um clube médio arrecada em torno de 80 milhões por ano. O Ceará, juntando com as rendas, deve arrecadar uns 10 milhões. Como 10 milhões vão competir com 80 milhões? É difícil.

Qual seria o grande problema de clubes como Ceará ou Fortaleza na Primeira Divisão?

O grande perigo é a volta para a Segunda Divisão. Porque a volta pode ser implosiva. Pode afundar o clube, abrindo uma cratera. Veja os exemplos como o Paysandu, o Criciúma, o Santa Cruz e outros pelo Brasil.

Quando saiu do Fortaleza, você quebrou financeiramente?

Passei cerca de um ano, pagando os débitos pessoais que assumi. Por volta de 2007, consegui quitar tudo e voltar a respirar nos meus negócios. Olhe que não sou rico, apenas um homem de classe média alta.

O senhor parece ter ficado magoado com alguns setores da imprensa esportiva.

Talvez por ser da área - pois sou graduado em jornalismo - eu saiba como deveriam ser feitas as coberturas da imprensa, bem feitas. Acontece que nem sempre são bem feitas. A radiofonia atualmente está toda retalhada. Qualquer um paga uma quantia no mês e passa a falar e a criticar as pessoas sem base nenhuma. Tem cara que não tem competência nem para administrar a vida dele e vai fazer críticas aos dirigentes. Nós somos logo chamados pejorativamente de cartolas. É por isso que muita gente boa se afasta do futebol. Para quer ser presidente? só para levar porrada?

E o presidente do Fortaleza, Renan Vieira, que está punido e pensando em sair. O que o senhor diria dele?

Eu lamento muito pelo Renan. Ele é uma pessoa boa, um rapaz humilde. Louco pelo Fortaleza e por futebol. É a vida dele esse negócio. Eu disse que ele estava sem dar assistência à sua atividade profissional. Ele só vai ver isso quando voltar. Está gastando o que tem e o que não tem pelo Leão, porque time de futebol é um saco furado, um poço sem fundo, é só descendo cada vez mais.

Mas, o senhor voltaria?

Para ficar na linha de frente, não. Poderei ser alguém que ajude nas decisões, quando o CT estiver funcionando bem. Porém, jamais para ser presidente de um clube de futebol.

O senhor contrataria Clodoaldo para jogar na Série C?

Atualmente, não. Porque acho que ele não conseguiu resolver os problemas dele com a vida extra-campo. Cheguei a negociá-lo para o Vietnã. Quando ele chegou em São Paulo, investigaram a vida pregressa dele e o mandaram de volta. Mas, nos últimos 15 anos, foi o melhor jogador que passou pelo futebol cearense.

Por que se afastou de atividades na imprensa esportiva?

Porque não tive tempo de me atualizar melhor sobre o que anda acontecendo no mundo esportivo. Estou muito concentrado na minha atividade profissional, hoje voltada para a construção civil. O tempo livre eu dedico ao CT, que pode não ser a redenção, mas para o time que não construir o seu, pode significar a morte.

FIQUE POR DENTRO
Carreira profissional

José Ribamar Felipe Bezerra nasceu em 4 de março de 1951, em Iguatu/CE. Chegou em Fortaleza, ainda na infância, quando foi morar no bairro Panamericano. De lá, foi residir no Montese. Uma vizinha sua namorava o volante Toinho, do Fortaleza, em 1960. O atleta chegava num jipe incrementado e foi à partir daí, que sua paixão pelo Fortaleza foi aparecendo. Passou a frequentar o estádio Presidente Vargas, ainda com arquibancada de madeira, entrando na "hora do pobre". Trabalhou como jornaleiro, balconista, "caixeiro viajante", propagandista de laboratório, mas aos poucos foi melhorando de vida até virar empresário, passando pelo antigo Café Maratá e hoje no ramo da construção civil. Esteve à frente do Fortaleza nos anos 2004, 2005 e 2006, tendo se tornado conhecido por montar um time de qualidade, que entretanto perdeu o tetracampeonato. Formou o núcleo gestor do Leão com Raimundo Delfino e Geraldo Luciano.

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